O problema é grave, me preocupa, mas a culpa é do vizinho.
Esta é a percepção que eu tive de como pensam as pessoas que moram na Região Metropolitana de São Paulo quando o assunto é a escassez e poluição das águas. A opinião delas foi apresentada em pesquisa inédita encomendada pelo Comitê de Bacias Hidrográficas do Alto Tietê na qual o Ibope ouviu 1008 moradores do maior aglomerado urbano da América do Sul.
Dos entrevistados, 85% dizem que nossos hábitos de consumo ajudam a destruir rios, córregos e mananciais e 66% entendem que o maior desperdício ocorre nas residências. Porém, quando são perguntados sobre o comprometimento para colaborar com a preservação das águas, 74% responderam que não se empenham muito.
“Nós precisamos economizar, precisamos cuidar, precisamos fazer mais, mas quem está desperdiçando é o vizinho”. Foi assim que o presidente do Comitê, Marco Bertaiolli, que também é prefeito na cidade de Mogi das Cruzes, descreveu o comportamento do cidadão diante do tema. Por outro lado, ele ressaltou a importância de que há, atualmente, a consciência da sociedade para o risco de escassez, pois 94% das pessoas disseram estar preocupadas com o desperdício. Um outro dado é que 84% acreditam que o Brasil enfrentará falta de água a médio e longo prazo.
O que fazer diante disso ? – perguntou o Ibope. Ou o que o vizinho pode fazer ? – pergunto eu.
Sobre atitudes eficazes para combater o desperdício, diminuir tempo do banho foi o item apontado por 71% dos entrevistados, enquanto 50% disseram que também se deve fechar a torneira para escovar os dentes e fazer a barba. Outras medidas que apareceram na pesquisa: aproveitar a água da máquina de lavar para outros fins (37%); não lavar a calçada com mangueira (33%); lavar de uma vez toda roupa acumulada (30%); consertar vazamento (22%) e levar o carro menos vezes ao mês (18%).
A bronca do cidadão sobrou também para a indústria já que 75% das pessoas entendem que estas são responsáveis pela poluição das águas.
Um número que me parece fez brilhar os olhos dos integrantes do Comitê de Bacias Hidrográficas do Alto Tietê foi o que se refere ao apoio da população pela cobrança de uma taxa das empresas que mais poluem: 88% responderam ser a favor e 84% acreditam que a medida pode colaborar para a redução da sujeira. Este é um dos desafios do Comitê, a cobrança pelo seu uso da água como mecanismo de compensação aos municípios que tiveram parcelas de seu território utilizadas para a formação de represas e reservatórios.
É o caso de Mogi das Cruzes, administrado pelo presidente do Comitê: “a cidade teve 35 km² inundados para criar o reservatório do Alto Tietê que é responsável por 50% das reservas de água da Grande São Paulo e esta grande caixa d’água não recebe o investimento necessário para sua preservação” – disse Bertaiolli.
Os 300 maiores consumidores de água de São Paulo respondem por mais de 90% do consumo e são empresas que se apropriam deste bem público, utilizam a água como matéria prima e a devolvem para os rios e córregos, muita vezes sem tratamento, reclamou o prefeito que entende ser obrigatória a compensação ambiental.
O mecanismo de cobrança dos poluidores existe desde 1991 e está sendo aplicado na Bacia do Rio Piracicaba. No ano passado, o Governo do Estado iniciou o processo para que seja usado, também, na Bacia do Alto Tietê, e, segundo a previsão do Comitê, a cobrança deve começar no segundo semestre deste ano. Basta saber como reagirá o setor produtivo.
Mesmo indicando as casas e as indústrias como culpadas por parte do problema de abastecimento e degradação da qualidade da água, o cidadão não esqueceu a responsabilidade do poder público. Dos entrevistados, 57% disseram que o Governo Estadual dá pouca importância a questão, enquanto 52% pensam assim em relação às prefeituras.
Espera-se que o Governo do Estado e as prefeituras aproveitem a pesquisa, assumam suas responsabilidades, façam a sua parte, e não repitam o comportamento do cidadão comum que põe a culpa no vizinho.
N.B: Por descuido – ou ato-falho – deste blogueiro, troquei o título “água suja e escassa” por “água cara e escassa” no texto original (publicado 18.03 às 10h30)